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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

PAI, ... ROUBARAM MINHA BICICLETA!

Agora que estou falando de consciência, me lembrei de uma história que aconteceu comigo, quando estava terminando o ensino médio. Uma noite ao sair do colégio, fui buscar minha bicicleta que sempre deixava num boteco em frente. Era o quintal do boteco que servia como estacionamento de bicicletas. Muitos alunos as deixavam lá. Fui direto pro local, mas chegando lá, cadê minha bicicleta! Já comecei a ficar desesperado, pede aqui, pede ali. Ninguém viu. Meu Deus! Roubaram minha bicicleta!
Um pequeno drama já começou a se instalar na minha cabeça. Como é que vou chegar em casa, sem minha bicicleta? Como é que vou explicar pro meu pai, que sumiram com minha bicicleta? Era uma bicicleta de 10 marchas, da Monark. Era a única coisa que eu tinha. Fora comprada a muito custo por meu pai. Não sei o que me abalava mais, se era ficar sem minha bicicleta, ou o medo de encarar o meu pai.
Ai começaram a chegar "meus amigos".
- Nossa! Roubaram tua bicicleta! E agora, o que vai fazer?
E eu que já tava em pânico, fui piorando cada vez mais. Começaram a surgir os conselhos e as soluções. Entre muitas, uma se destacou, parecia que tinha entrado direto no meu cérebro e se encaixara direitinho.
- "Se fosse eu, roubava outra".
No desespero que me encontrava, aquilo pra mim foi a solução. Começamos a procurar uma bicicleta, que estaria "dando sopa", e encontramos. Era parecida com a minha, mas de outra marca, pneu um pouco mais fino. E lá fui eu! Montei na bicicleta, incentivado e acobertado pelos meus muito amigos (da onça).
Quando estava saindo da cidade, o pneu de trás furou. Faltavam ainda 3 km, para chegar em casa. Rua escura, com cascalho, parecia que nem a lua tinha coragem de encarar o feito do chico. E lá vou eu, empurrando a minha bicicletinha roubada, com pneu furado, noite a dentro. E a consciência começou a pesar. Quanto mais perto de casa eu chegava mais o remorso aumentava.
Finalmente cheguei, subi na área da casa, encostei a bicicleta na parede, abri a porta, que tava encostada com uma cadeira. Meus pais, já estavam dormindo, mas minha mãe acordou com o barulho.
- É você chico? Pediu minha mãe, lá do quarto.
- Sim mãe, sou eu.
Um silêncio e depois, já meio chorando.
- Mãe, aconteceu uma coisa comigo. Roubaram minha bicicleta.
- Quê?
- É mãe, roubaram minha bicicleta.
Minha mãe cutucou meu pai.
- Acorda Ermin, roubaram a bicicleta do chico.
- Quê? Roubaram a bicicleta do chico? Resmungou meu pai , meio sonolento. 
- É pai, roubaram a minha bicicleta e eu roubei outra!
Nisso,  escutei as gargalhadas do meu irmão, lá do outro quarto. Eu não sabia que ele estava em casa. Veio naquela noite, de visita. Aquela risada ecoava na casa. Mas ele nem levantou, ficou lá, rindo e só escutando a história.
Meu pai e minha mãe levantaram e eu contei todo o ocorrido. Saímos até a área, pra ver o produto do furto. Até hoje, estranho a reação do meu pai. Não bateu, não xingou, acho que viu que eu tava desesperado. Recomeçaram os conselhos. Me fizeram entender que eu não podia ficar com a bicicleta roubada. As pessoas iriam ver que não era minha e  iriam me questionar. Que não era correto. Que meus próprios amigos poderiam me delatar.
De repente escutamos a voz do meu irmão.
- Fala pra ele levá de volta!
Meus pais concordaram e me fizeram ver que era a melhor solução.
E lá fui eu, empurrando minha bicicletinha roubada, de volta pra cidade por mais 4 km. E depois ainda precisava voltar à pé. Sozinho no escuro, era eu, meus pensamentos e meu remorso, minha culpa e minha consciência. Passava por guardas noturnos e ficava imaginando o que se passava pela cabeça deles. Torcia para que ninguém me parasse e questionasse. Estava com medo que alguém já tivesse me denunciado. Finalmente cheguei novamente em frente ao colégio e "depositei" o produto do furto no quintal da casa, por cima de uma cerca. Naquela noite fui dormir eram 3 horas da madrugada. Dormir não, né. Afinal foram tantas emoções ...
Outro dia tudo estava normal. No colégio, alguns comentários dos roubos que haviam acontecido na noite anterior, e, que uma das bicicletas havia reaparecido milagrosamente. Até escutei o dono "da minha", cometar: "Acho que o cara se arrependeu". Mas ninguém ficou sabendo, que eu era um dos larápios, nem meus amigos comentaram nada.
Meu pai, outro dia foi no boteco,  explicou ao dono do bar o acontecido. Como era conhecido nosso, também não comentou nada com ninguém. E tudo ficou assim, normal. Menos eu,  que não podia mais encarar o dono do bar, de vergonha.
E a minha bicicleta? Meu pai, que era um gaúcho prevenido, tinha anotado em casa, o número de série. Ficou por dias,  vagando na cidade, erguendo todas as bicicletas parecidas com a minha, até encontrá-la. Imagina o furdúncio que deu. Mandou chamar a polícia, que levou a bicicleta pra delegacia. Outro dia, era só levar a nota fiscal e retirar.
O outro ladrãozinho, "safado, vagabundo, sem vergonha", era filho de um empresário, na época vereador da cidade , amigo e vizinho do delegado de polícia. Por incrível que pareça, alegou a mesma história que a minha. Que haviam furtado sua bicicleta e para não ficar sem, com medo da reação dos pais, havia furtado outra. E como tinha "as costas quentes" ficou tudo por isso mesmo. Queria ver se era eu, um pobre coitado...
Tentei apagar este fato da minha memória, nunca comentei com ninguém esta parte "negra" do meu passado. Nem minha família comentava. Não sei se era por dó, ou também queriam esquecer.
Agora, como já conheço parte da "verdade", e me sinto mais "livre", achei que poderia usar isto como exemplo. Às vezes, certas coisas acontecem na vida da gente e acabam sendo consideradas apenas um fato, como tantos outros, aos quais não damos importância. Afinal, não prestamos atenção à escola da vida. Não temos consciência que nada é por acaso. Que tudo é prova, carma, graça, ou  somos usados como "instrumentos", para que se realizem. Hoje percebo a importância do acontecido. Foram duas histórias, com enredo, com script "idênticos", mas com atores diferentes. Famílias diferentes, valores diferentes e finais diferentes.
Se minha família, não tivesse consciência do certo e errado, do justo, do correto, a minha história poderia ter tido um final diferente. Em consequência, a minha vida, o meu caminho, hoje poderia ser diferente. Do outro menino, nada sei. Nunca mais ouvi falar. Espero que tenham tido outras oportunidades, para acertar.
Está é nossa responsabilidade, como pessoas, como pais, como seres humanos. A vida nos dá certas provas, certas "tentações". Cabe a nós, escolhermos o caminho correto. E também, mostrar, conduzir, induzir, aqueles por quais somos responsáveis, que nos escolheram para isto.
Quando escolhi meus pais para nascer, eu escolhi certo e eles não decepcionaram. Não acharam que era normal, coisa de adolescente. Não estavam contaminados pelo "sistema". Não "passaram a mão" sobre minha cabeça. Eles foram responsáveis.
Teria sido mais perfeito se eu tivesse assumido meu ato, perante os outros, pedindo desculpas para o dono da "minha bicicleta". Mas não precisou, acho que foi como recompensa. Recompensa pela consciência dos meus pais.

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